terça-feira, dezembro 08, 2009

Recordar um alcoutenejo - João Baltazar Guerreiro/ Meu Pai



Agradeço, José Varzeano, o que escreveu sobre o meu pai no blogue Alcoutimlivre
É gratificante tomar conhecimento de coisas que desconhecia e o orgulho que sinto, ao ler o que sobre ele escreve, é imensurável... Obrigado e bem haja.

Estatura média, para o forte. Barriga um pouco saliente. Feições gradas, olhos grandes, cabelo preto e hirto. Um timbre de voz não vulgar e inconfundível.Devia de andar na casa dos quarenta.O cachimbo e as fumaças caracterizavam o seu porte. Vestia sempre fato completo.Conheci-o logo que cheguei à vila de Alcoutim em 1967. Já lá vão uns bons anos!Era natural do concelho, mais propriamente do monte de Alcaria Alta, onde nasceu em 1926.É na sede da sua freguesia, a aldeia de Giões, que faz a 4ª classe sendo sempre bom aluno. As dificuldades em todo o país eram muitas e em Alcoutim, pelo que se conhece, ainda era pior. Poucos conseguiam fugir da ocupação agrícola ou do pastoreio para a casa ou para o patrão.Quem possuía uma arte já estaria um pouco melhor mas a diferença não era muita. João Guerreiro aprendeu com os pais a arte de tecelão. Teciam linho com que se faziam toalhas de rosto, lençóis, colchas, etc. A lã dava origem a belíssimos cobertores e mantas, entre outras peças.Nesta altura a freguesia de Giões era a mais têxtil do concelho com teares rudimentares espalhados por todos os montes, havendo igualmente na aldeia grande actividade nesta arte artesanal como já tenho tido oportunidade de referir noutras ocasiões.Depois, como pessoa sempre interessada em saber coisas novas, aprende a técnica da destilação e instalou um alambique no monte natal onde destila principalmente medronho e figo. Pelos 24 anos procura companheira, com quem casa e foi buscar a um monte relativamente perto, mas da freguesia de Vaqueiros. Foi a mãe de seus filhos e um pilar onde sempre se apoiou. Chegou à Vila de Alcoutim para tomar posse do lugar de Aferidor de Pesos e Medidas da Câmara Municipal o que veio a acontecer em 21 de Julho de 1952 e onde vencia uma ridícula importância mensal. Verdade seja que não cumpria o horário normal do funcionalismo, pois não ganhava para isso por um lado e o trabalho igualmente não o justificava. Ia à Câmara quando era preciso e não mais. Tinha contudo o serviço anual de aferição que se realizava no princípio do ano, se não estou em erro e que naturalmente efectuava percorrendo todo o concelho.Deslocava-se diariamente de Alcaria Alta, à vila e só por volta de 1958 se fixou na sede do concelho com a família. Monta entretanto uma pequena relojoaria, consertando e vendendo relógios em nome da esposa já que como funcionário não a podia possuir. Isso acontece numa pequena casa situada na Rua Portas de Mértola e onde paga 60$00 de renda.Cerca de um ano depois muda-se para a Rua do Município onde é hoje o Bar Miragem e parte do Minimercado Soeiro, onde igualmente fixa residência.Tendo sido posto em venda o edifício comercial que foi desde tempos imemoriais a chave do comércio da vila, sendo no século XIX propriedade da Família Torres, passando depois para a Família Serafim, foi a esta que João Baltazar Guerreiro o adquiriu.



[JBGuerreiro no seu estilo inconfundível despachando um café no seu estabelecimento comercial. O cachimbo lá estava]

Quando conheci o estabelecimento comercial compunha-se de mercearia e venda, vendendo também relógios, rádios, balanças e fogões a gás, que eu me lembre.Como já aqui informei, numa pequena divisão que tinha porta para a Rua Dr. João Dias, montou um pequeníssimo café com duas ou três mesas e em que a máquina só tirava um café de cada vez.O Café veio pouco tempo depois a motivar toda a reorganização do espaço comercial, pois foi o ramo que passou a ocupar maior espaço, já com uma máquina moderna e com dez ou doze mesas.Se não estou em erro, pertenceu a João Baltazar Guerreiro, que usava muito na escrita e na palavra JBGuerreiro, a iniciativa de mostrar a televisão acabada de chegar, o que não era fácil devido a muitos condicionalismo, que já aqui referi, de ordem técnica e geográfica. Funcionava nessa altura na parte alta da vila, na Rua D. Sancho II, em casa que foi de Leopoldo Martins um aparelho de TV, havendo cadeiras para as pessoas se sentarem, pagando-se por isso 1$00 que revertia a favor da Santa Casa da Misericórdia. A imagem era naturalmente muito deficiente mas mesmo assim tinha sempre casa cheia.Fui lá duas ou três vezes, uma delas para ver o famoso Zip Zip, com Raul Solnado, Fialho Gouveia e Carlos Cruz. A instalação deste aparelho teve por base o interesse e desenvolvimento de JBGuerreiro.

Carteira de fósforos que me ofereceu JBGuerreiro, cuja capa reproduzia o seu jovem filhote que todos conheciam por Guerreirinho e que mantenho intacta]

Ainda há poucos anos tive conhecimento que também tinha sido ele que no moinho da Pateira, perto de Afonso Vicente, instalou antena e aparelho dando assim oportunidade às pessoas desta zona, que na altura eram muitas, de ver pela primeira vez imagens televisivas. Pagavam, segundo o meu informador, 1$00. Numa destas tarefas, vieram jantar à vila para depois continuar a sessão. Por precaução, decidiram tapar o gerador com uma serapilheira. Ao regressarem para continuar o trabalho, como o motor estava quente, a saca ardeu queimando a máquina. Ficou realizada a sessão da noite!João Guerreiro teve sempre tendências para estas coisas: relógios, máquinas fotográficas, rádios, televisores, fogões, etc.


[Velho Fiat de JBGuerreiro]


Dos seis automóveis então existentes na vila, um deles era o seu Fiat .Foi João Guerreiro que teve a iniciativa nos primeiros anos da década de 60 de fomentar a edição de uma colecção de postais representativos da vila, o que até aí nunca tinha
acontecido.
Ainda que a escolaridade fosse a própria da época (4ª classe), João Guerreiro gostava de ler e com isso ia aprendendo, já que era uma pessoa inteligente. Depois punha em prática o que aprendia para admiração dos outros. Dizia muitas vezes:- Isso é fácil de fazer, é preciso é ter as coisas que por vezes não se arranjam. Era um “engenhocas” no sentido positivo do termo.Tinha também outros interesses, talvez menos conhecidos e de que eu me apercebi com alguma admiração. Gostava de saber as coisas do passado, interessava-se pela história, arqueologia, pelas lendas, pelos monumentos, velhas minas, etc. e algumas pistas sobre determinados assuntos foram-me dadas por ele.Como já aqui referi foi na sua mão que vi pela primeira vez uma parte do livro do Visconde de Sanches de Baêna, Famílias Nobres do Algarve, 1900, que eu então desconhecia completamente. Mostrou-me também um código de justiça que penso ser do começo do período liberal e outras velharias que agora não posso precisar.Não era fácil encontrar nessa altura na vila uma pessoa que se interessasse por estes assuntos.Era no seu estabelecimento comercial, por deferência do casal Guerreiro, que para o efeito me mandavam chamar e que eu ia atender as chamadas da minha então namorada.Os telemóveis estavam ainda muito distantes!Era um “bon vivant”, adorando um petisco com os amigos e que tinha muitas vezes lugar na rua, frente à porta do primitivo café. Tudo servia para a petisqueira para se beber um copo e onde nunca faltava, porque também era admirador, as cantorias, ora os cantares alentejanos que praticava, ora o fado tanto de Lisboa como de Coimbra, conforme os convivas se ajeitavam e havia sempre quem fizesse uma perninha. Isto por vezes entrava pela noite dentro, com os naturais protestos da D. Cesaltina.João Guerreiro era um homem solidário e não me esqueço que em 1970 quando fui levar a minha mulher para nascer o meu filho, no regresso, nas descidas da ponte da Foupana, saltou uma roda ao táxi e se nada de grave aconteceu, foi porque não calhou.Tendo-se sabido isto na vila, João Guerreiro meteu-se no carro com o Dr. João Dias e foram ao nosso encontro para o que fosse necessário. Encontrámo-nos ao Celeiro. Nunca me esqueci disto.Em conversas recatadas, mostrou sempre a sua discordância com o regime político vigente.

[Estabelecimento comercial na Praça da República e pertencente aos Hºs de JBGuerreiro, 2009]

Exerceu durante alguns anos as funções de tesoureiro da Santa Casa da Misericórdia de Alcoutim.Foi correspondente do jornal diário O Século.Em 1972 e após a saída do Dr. João Lopes Dias, de quem era amigo, para S. Brás de Alportel, resolveu pedir a sua transferência para a Câmara Municipal de Loulé, onde já tinha um vencimento compatível e possibilidades para os filhos continuarem os estudos.Aqui se reformou em 1990, tendo falecido nove anos depois.A última vez que com ele contactei foi no Convívio de Naturais do concelho de Alcoutim na Amora, penso que em 1986, onde me desloquei a convite da organização e onde ele tinha ido também com o Dr. João Dias.Recordar aqui este alcoutenejo é uma pequena e justa homenagem que lhe prestamos.Nota BreveAgradeço à Família, nomeadamente a sua filha Odília e viúva D. Cesaltina, a colaboração prestada.


sábado, setembro 05, 2009

FESTAS de ALCOUTIM 2009


As Festas de Alcoutim realizam-se no mês de Setembro.
A par dos tradicionais festejos com espectáculos musicais, fogo preso e aquático e actividades desportivas no rio Guadiana, a autarquia, entidade organizadora do evento, promove um variado programa de actividades todas elas relacionadas com os temas a que estão subordinados os cinco dias de festa.
Com entrada livre, são o maior acontecimento festivo do concelho, dirigido sobretudo aos filhos da terra que aqui se juntam nesta altura do ano.
O destaque vai para o Dia de Espanha, no sábado e o Dia da Juventude, no domingo, em que a animação é redobrada e conta com a participação de muitos espanhóis oriundos da Andaluzia.
A praia Fluvial de Alcoutim, o castelo, e o cais do Rio Guadiana são os palcos privilegiados das festas, que se estendem um pouco por toda a vila.
São festas caracterizadas pela sua força e vitalidade e também por durarem noite dentro.
Lá estarei...

quarta-feira, agosto 12, 2009

Obrigado ALCOUTIM LIVRE

A entrada que se segue foi-me enviada pela minha filha que está sempre atenta... Não posso deixar de " copiar" com os devidos créditos, este testemunho de tempos felizes que não voltam...
http://alcoutimlivre.blogspot.com/2009/06/1-cafe-de-alcoutim.html

Agradeço uma vez mais, ao autor do blogue Alcoutim Livre, esta foto que já me havia enviado por email.
O Sr também está presente e olhe pelo que sei, estamos todos bem de saúde.

1º Café de Alcoutim
Esta fotografia tirada, não sei por quem, em Setembro de 1967, retrata o que era o 1º Café de Alcoutim, acabado de inaugurar.Um pequeno espaço com quatro ou cinco mesas e porta para a Rua Dr. João Dias. Uma pequena máquina que tirava um café de cada vez!Era propriedade do comerciante local e já falecido, João Baltazar Guerreiro. Virado para a Praça da República e no prédio, na posse dos seus herdeiros, que foi sempre o ponto fulcral do comércio alcoutenejo tinha mercearia e taberna, vendendo fogões e relógios.Para satisfazer meia dúzia de fregueses, quase foi “obrigado” a montar nesta pequena dependência o que para a vila constituiu uma novidade: - UM CAFÉ!Lembro-me muito bem, um café custava 1$20, o que na moeda de hoje dá € 0,06.Foi lá que bebi o primeiro café com aquela que veio a ser minha mulher.Dos doze fotografados, é tudo gente na reforma e dois nada têm a ver com Alcoutim, pois encontravam-se em trabalho periódico do Instituto Nacional de Estatística de que eram funcionários. Dos restantes dez, só dois ainda residem na vila, ainda que mais dois residam no concelho.Não me lembro, mas possivelmente alguém faria anos.Cerveja e licor parecem terem sido as bebidas.Quem os reconhece?Posso dizer que está lá a “Marlene”, que ninguém sabe quem é, a não ser a própria.Pouco tempo depois o CAFÉ passou para o maior espaço virado para a Praça, substituindo a mercearia.N.B. - Informacão acabada de chegar do colaborador deste blogue, Eng. Gaspar Santos, dá-nos a conhecer que houve na década de 50 uma primeira tentativa de CAFÉ que foi mal sucedida. Situava-se curiosamente em frente deste.
Publicado por José Varzeano
Tema:

E continuando esta informação...

A " Marlene" está presente, sim...sei bem quem ela é...
A seguir ao Duarte, o miúdo dos óculos, era a mais novita do grupo. Em 1967, tinha portanto 14 anos...
A alcunha" Marlene" era um tributo à Dietrich a tal que Hitler convidou para protagonizar filmes pró-nazistas?!..., vim a conhecer-lhe a história mais tarde e a admirá-la porque soube recusar o " honroso"convite. Apressou-se a deixar a Alemanha e tornou-se uma cidadã dos EUA. Hitler tomou isso como um desrespeito para com a pátria alemã e chamou-a de traidora...

O Café era do meu pai e era de facto assim. Era o centro de tudo naquela década de 60... foi café onde a TV estava sempre ligada desde o inicio até ao fim da emissão... foi casa de petiscos quando os clientes que eram todos amigos do meu pai se juntavam e em sã camaradagem comiam, bebiam e cantavam modas do Alentejo, fados de Coimbra e de Lisboa...até altas horas, foi agência e ponto de paragem dos autocarros da Rodoviária Nacional, foi casa de jornais e revistas... foi tanta coisa!!!
E já agora a foto foi tirada pelo meu pai. Conservamos ainda muitos negativos desse tempo e a minha filha que gosta de preservar tudo o que encontra em casa do avô, tem-os guardados em grande estima.

Obrigado Sr Nunes e bem haja pelos testemunhos que tem escrito sobre Alcoutim - sua terra adoptiva, mas não por isso menos amada.E também pela alcunha... ela era de facto uma mulher bonita. Isso queria dizer que os meus olhos eram como os dela? ou seria o facto de eu ser assim... "um pouco rebelde"?

domingo, julho 19, 2009

A CASA do MONTE / Alcaria alta


É um refugio onde se acorda de manhã com o chilrear dos pássaros, onde nem se dá pelo passar das horas e onde ainda se deixa a chave na porta ...
É uma casa humilde, como humildes eram os meus avós. Mas é um local onde impera a paz e o sossego!...
Gosto de cá vir… aqui retempero forças!!!
Está um dia quente. O carro marca 38º C… Mal chego, bebo água fresca e descanso um pouco. Como só cá estou hoje, não tenho muito tempo para esperar que o calor abrande. Apetece-me um figo da Índia... Pego numa lata de zinco, que em tempos serviu para tirar água do poço e numa tenaz. Desço o carreiro até à Figueira da Índia mais próxima. Em tempos vi-os à venda no Continente a 18 euros o quilo, sim 18 euros… Não sei de onde vêm, mas aqui ninguém os aproveita a não ser num “ matar de desejo” que é o caso.
Encho a lata bem apinhada e deito-os na areia onde “sabiamente” lhes retiro os picos muito finos, mas agressivos. Depois, cumprindo o ritual, lavo-os e coloco-os no banco de pedra para secarem do excesso da água. Coloco-os no frigorífico para arrefecerem..." Quentes, fazem mal à barriga" - dizia a minha avó Isabel.

Estes bancos de pedra, construídos nas fachadas das casas, tinham muitos fins…serviam para a secagem de frutos, descanso das caminhadas, pousar dos cântaros, contemplação do céu estrelado ao fresco da noite… Gosto de me sentar neles ao cair da tarde e noite dentro. Trazem-me lembranças dum passado longínquo. Ali, ao relento, na noite de um distante verão ouvi muitas histórias contadas pelo meu tio Vanderdil ( Parece um nome estranho, mas não é se eu vos disser que o Padrinho foi veterano da 1ª Grande Guerra em França ). Este meu tio era o irmão mais novo do meu pai. Ainda hoje me lembro de muitas coisas que ele me ensinou e... eu tinha apenas 5 anos quando ele morreu aos 35 anos de idade. Ensinou-me a coaxar como a rã e a cantar como a perdiz, ensinou-me a contar até 20...e ensinou-me o Jogo das Pedrinhas... ensinou-me muitas outras coisas que, na minha memória de menina, se perderam.
Nem tudo são boas recordações… quando regresso ao passado.
Um dia, vi trazerem-no inerte em cima duma égua. Ainda hoje consigo visualizar toda essa dramática cena. Eu adorava o meu tio Vanderdil... Ele foi a primeira grande perda da minha vida.
Descobri que o coração da gente se cansa de bater e pára...tinha apenas 5 anos!

A casa foi agora pintada com barras de azul alentejano! Deixo que ponham tudo ao gosto deles. Gostam de lá ir passar os dias de folga, caminhar, pedalar, descobrir... Deram uso aos cântaros, aos alguidares de barro, aos chocalhos, às esparrelas para pássaros, às panelas de barro, às trempes e aos candeeiros a petróleo,etc... trouxeram para a luz do dia toda a tralha que encontraram na despensa. Mas eu não me importo que eles ponham a casa ao gosto deles.O forno é que eu preciso de cuidar, recuperar, caiar... É um forno comunitário, pertenceu a 4 famílias cujos herdeiros ainda vivem... uma delas, sou eu.
Vai ser a minha próxima preocupação!...

O amor ao monte, permanece nos meus filhos.
Consegui transmitir-lhes isso...
Fico FELIZ!...


domingo, maio 10, 2009

Combate à SURDEZ

No âmbito do Programa de Recuperação de Audição, que visa combater a surdez no concelho, a Autarquia disponibiliza 100 mil euros para a compra de aparelhos auditivos.

Alcoutim é um concelho pobre e as pensões da população idosa são muito baixas. Qualquer pessoa, por si só, não conseguiria sem a ajuda da Autarquia. A comparticipação do Estado para a compra de próteses auditivas é de 22 euros, quando elas custam mais de mil... É ridículo na verdade!...
Felizmente Alcoutim tem o privilégio de ter um Presidente-Médico sempre atento aos problemas dos idosos do concelho.
Bem hajas, Chico!...
Muitos dos nossos idosos voltaram a ver graças a ti. Agora, outros voltam a ouvir...

terça-feira, abril 28, 2009

Joselito / Filmes da minha infância...



JOSELITO tinha uma voz linda!
Tornou a minha infância mais bonita, ensinou-me a sonhar e mostrou-me que o Mundo ía muito para além da minha terra natal.
Recordo todos os filmes que vi dele, ao ar livre, no Cais juntinho ao Rio e também as lágrimas que teimavam em cair das nossas faces quando as aventuras eram um pouco mais dramáticas...

Agora que sou adulta, continua a ser impossivel esquecer esta tremenda voz, esta doçura em cara de anjo…
Tenho um CD dele no meu carro e todas estas canções andaluzas fazem, ainda hoje, parte do meu reportório...
(Ja pedi perdão ao nosso cancioneiro...)

sexta-feira, fevereiro 20, 2009

A GRANDE CHEIA DO GUADIANA


Esta placa encontra-se no edificio onde existia, à epoca, a velha cadeia.
A distância a que está do rio e a altura que assinala, causam admiração.
Na minha casa, atendendo a esta placa, a água submergiu todo o rés do chão...

Ainda hoje, quem percorre as povoações ribeirinhas do “grande rio do Sul” encontra uma série de placas que atestam a altura, quase inacreditável, que as águas do Guadiana tomaram naqueles dias, seja em Mértola, Alcoutim ou na margem Espanhola. A imprensa da época, através de correspondentes locais, não deixou de noticiar tão nefasta tragédia.
A «Gazeta do Algarve», jornal publicado em Lagos, na edição de 13 de Dezembro de 1876, citando o correspondente de Alcoutim, em carta datada do dia 6 daquele mês, refere que «O Guadiana há 3 dias que traz uma corrente assustadora e devastadora – mede a velocidade de 11 milhas por hora e tem alagado completamente todos os campos marginais». Aquele periódico menciona igualmente que «o Pomarão desapareceu. Todas as casas foram arrasadas, e nem se conhece o lugar onde existiam. A estação telegráfica desapareceu também, indo a mesa dela dar às margens de Ayamonte. Em Alcoutim houve perdas consideráveis, os campos estão debaixo de água, que entra dentro da vila em muitas casas e quintais. As carreiras a vapor foram interrompidas».
Também o «Correio do Meio Dia», publicado na então Vila Nova de Portimão, na edição de 17 de Dezembro, foca a grande tragédia, transcrevendo do «Comércio do Sul» (Faro) a narração dos acontecimentos: «No dia 7 recebemos a seguinte comunicação de José Francisco Bravo de Alcoutim, “uma exposição singela, mas verdadeira dos horríveis estragos e imensas apreensões de que todos nós por aqui nos achamos possuídos pelos efeitos do extraordinário temporal que há bastantes dias nos tem perseguido, chegando agora a um grau mais elevado. O rio saiu fora do seu leito. Desde ontem das 10 horas da noite por diante, seguiu a passos agigantados e assustadores que já hoje ás 10 horas da manhã chega, mas de um modo aterrador, à praça pública desta vila (Alcoutim) – 30 metros senão mais por diante do princípio das habitações dela. Tudo aqui se vê em desarranjo, todos deixam ver no semblante o medo pela tempestade que ameaça sorver-nos. Espessas nuvens toldam o horizonte e todos os sinais nos parecem anunciar próxima e mais grossa nova tormenta».
E de facto assim foi. «Em data de 8 nos dizem da mesma vila o seguinte: São 10 horas da manhã e a maior parte desta vila está debaixo de água. Não há por aqui notícia do Guadiana ter engrossado tanto como nesta ocasião. A igreja de Santo António está já meia coberta e a linha telegráfica está submergida. Têm abatido grande número de casas, embora estas ainda não se vejam na totalidade. Todas as repartições foram a terra, a alfândega foi a que sofreu mais porque não se pôde salvar um único papel e supõe-se que não ficarão nem vestígios dela. Em Mértola também a cheia foi assustadora fazendo desabar bastantes casas e causando subidos prejuízos».
De alguns pontos, salienta ainda aquele jornal, «foram vistos arrastados pelas águas alguns cadáveres humanos – uma mulher agarrada a um tronco de uma árvore, uma criança de tenra idade num berço e um homem». A estas perdas de vidas humanas, juntaram-se ainda as tripulações de várias embarcações, que foram arrastadas pela corrente e naufragaram (11 mortos).
A gravidade dos acontecimentos dominou ainda a Sessão da Câmara Municipal de Alcoutim, de 21 de Dezembro de 1876, também ela privada de edifício próprio, que reuniu em sala provisória, onde «o Sr. Presidente José Joaquim Madeira relatou os tristes acontecimentos ocasionados pela extraordinária cheia do Rio Guadiana nos dias 6 e 7 do corrente que fez desabar mais de 60 prédios nesta vila e montes do rio, tornando também infrutíferas todas as fazendas marginais por lhe haver arrebatado o arvoredo, não deixando mais do que montes de areia. Neste aflitivo estado é de toda a urgência empregar os meios ao nosso alcance para que sejam minorados tão tristes efeitos em assunto de tanta magnitude. Na Sessão foi por todos reconhecida a necessidade de elevar um brado ante o trono de Sua Majestade fazendo-lhe sentir os nossos infortúnios e pedindo lenitivo às nossas desgraças».
Foi então determinado representar ao governo, «pedindo um empréstimo para se poderem levantar os prédios que se abateram pela inundação, bem como pedir o dinheiro existente no cofre de viação municipal e que a ele possa pertencer durante os dez anos seguintes para a edificação dos novos Paços do Concelho».
E finalmente «que não sendo conveniente a edificação no local em que se achavam por estarem sujeitos às cheias do rio se representasse pedindo o castelo, onde sem receio das enchentes se podem construir não só os Paços do Concelho como as demais repartições e escolas». Estes pedidos de ajuda acabariam por surtir efeito, e em Sessão de 17 de Março de 1877 foram concedidos os primeiros apoios para a reconstrução das habitações, num total de 9 926 000 réis. Estas não deveriam ser reconstruídas em taipa, «causa principal da maior parte dos desmoronamentos» durante a inundação.
Na Sessão de 24 de Abril do mesmo ano são atribuídos mais 19 470 000 réis aos agricultores das margens do Guadiana, num total de 147, cujos nomes e quantias se encontram discriminados na Acta daquela Sessão.
Foram ainda concedidos 500 000 réis «para matar a fome e o frio aos inundados». Apesar das consequências terríveis da cheia, esta permitiu pôr a descoberto inúmeros vestígios arqueológicos ao longo do rio, particularmente em Mértola, Montinho das Laranjeiras e Álamo, locais pouco depois escavados pelo arqueólogo algarvio Estácio da Veiga.
Volvidos 130 anos, a memória da cheia reparte-se essencialmente pelos documentos de então, sejam jornais ou Actas de Vereação, impregnadas de desolação e terror, e pelas placas de mármore facilmente observáveis um pouco por todo o vale do Guadiana. Na memória dos homens, a grande cheia não passa hoje de um facto passado e inatingível para muitos, nos nossos dias.Contudo, e se é verdade que a Barragem do Alqueva permitiu, em conjunto com as suas congéneres espanholas, dominar de certa forma o Guadiana, convém não esquecer que, se estiverem completamente cheias, a inundação a jusante será inevitável. Afinal, as muitas barragens do Douro não debelaram as cheias das zonas ribeirinhas de Gaia e do Porto...Por estas razões, as margens do Guadiana não deverão ser ocupadas, sob pena de virmos a lamentar uma nova da catástrofe. Tal como as secas, as inundações são fenómenos cíclicos normais no nosso clima, quer queiramos quer não.
Fonte: BARLAVENTO
P.S.- Assisti a algumas cheias durante a minha infância... A maior de que me lembro, ainda bem novita,"beijou" os degraus dos Paços do Concelho. A preocupação dos adultos, constratava com a nossa curiosidade...e o desejo, inconsequente, de que subisse, subisse...

segunda-feira, fevereiro 16, 2009

SENTINELAS VIGILANTES


Durante séculos, Alcoutim e Sanlucar del Guadiana enfrentaram-se como sentinelas vigilantes, cada qual guardando a sua margem.
A História passou por aqui em 1371, quando os reis de Portugal e de Castela (respectivamente D. Fernando e D. Henrique 11) assinaram o Tratado de Alcoutim (a paz aqui acordada seria várias vezes quebrada até à morte de D. Fernando. em 1383.
À parte estas " guerreiazitas" o povo, o verdadeiro povo de Alcoutim e Sanlucar, sempre se respeitou e viveu em paz.
Aquando da guerra civil espanhola, em finais dos anos 30, conta-se que os alcoutenejos foram bastante solidários com amigos e vizinhos da outra margem.

quinta-feira, janeiro 15, 2009

NOSTALGIA

Testemunho de um amigo

O Guarda Fiscal sempre atento ao rio, quer de dia, quer de noite...
A Estátua perpectua-lo-á e a nossa memória também...



" Lembro-me que estávamos nas férias do Natal e fomos convidados para um “bailarico” em Sanlucar.
O problema era que a autorização era bem difícil… E agora???.
Vamos ser criativos.
O Chico Balbino deixa o barco no “cais velho”, mesmo a jeito.
Era o Antonico “Guarda Rio”, o Amílcar “Felício”, o Arnaldo, o António do Rosário, o Zé Serafim e mais alguns que agora não recordo.
Juntámo-nos na “capela”, mas havia uma “tertúlia” debaixo do lampião junto das escadas de acesso ao cais que, reunia o Sargento, o soldado da Guarda Fiscal de serviço e mais algumas pessoas.
O tempo passava, e nada.
Vamos entrar em acção. Dois vão buscar o barco e os outros vão para a “boca da ribeira”.
Lá vai o Amílcar e o Zé Serafim descer da “capela” e rastejar no cais velho para não serem vistos, remar à “contrabandista” e lá vamos nós subindo o rio para não entrarmos na zona de reflexo.
Naturalmente em Sanlucar divertimo-nos imenso com aquilo que só eles sabem fazer. Uma guitarra, uma pandeireta, umas castanholas, e “chicas guapas” com amizade, simpatia e “salero”.
No retorno, fazendo o mesmo trajecto, e quando estávamos junto da boca da ribeira, fomos surpreendidos pelo Guarda Fiscal, de arma apontada, intimando -nos a ir imediatamente para terra.
Grande atrapalhação com consequência desastrosa. Ficámos encalhados no cascalho da ribeira. E agora???
Com os remos, empurra daqui, empurra do outro lado e nada. Solução???
Alguém tem de ir à água… E com um frio de rachar.
Enfim lá surge um voluntário e o problema é resolvido.
E o Guarda Fiscal???
Era um assunto grave. Todos tínhamos de ser presentes ao Sargento no dia seguinte etc. e tal.
Depois de muita argumentação, de que nada tinha acontecido de mal, por fim
lá fomos mandados em paz, com o compromisso de que nada se soubesse.
E assim aconteceu.
Até agora..."


Obrigado por mais este testemunho de outros tempos...
Nesta aventura as miudas não participavam porque os tempos eram outros e, "à escapadela", não podia ser!!!

terça-feira, janeiro 13, 2009

A CASUARINA da minha terra.

Esta magestosa e imponente Casuarina (Casuarina Cunninghamiana MIQ.) encontra-se à beira do Rio Guadiana em Alcoutim e foi classificada como Árvore de Interesse Público, em Diário da República de 29/03/1999.Sempre a conheci assim, enorme...imponente!!!

Testemunhou a azáfama diária das gentes da terra... Viu o Guadiana sair do seu leito e beijar-lhe a copa... Deu sombra às brincadeiras da nossa infância e foi conivente c'os namoricos da nossa adolescência... Assistiu aos nossos bailaricos no cais e às nossas festas... Viu os jovens partir para a guerra e também para a cidade, em busca de melhor vida... Foi cúmplice do amor que existe entre Alcoutim e Sanlucar, de como se miram e espelham nas águas do rio na terna esperança de se enlaçarem,um dia...
Como o tempo passa!
Ela continua linda, viçosa e nós vamos perdendo o brilho... no entanto, quem tem mais de 80 anos é ela!!!
PATRIMONIO NATURAL A PRESERVAR...
As ruas das Aldeias, Vilas e Cidades da nossa terra são bem mais lindas
se de árvores se enfeitam...

domingo, janeiro 04, 2009

OS NATAIS DA MINHA INFÂNCIA

Eram o NATAL, na sua verdadeira essência...
O jantar naquela noite era melhorado, mas nada dos exageros que vivemos hoje, em que os excessos dão para quase uma semana...
As prendas eram poucas... mas consolavam, consolavam...
Não havia Pai Natal, nem renas, nem eu sabia onde era a Finlândia, a Noruega, ou o Pólo Norte...
Sabia da existência de um Menino Jesus que nascera em Belém, lá na Judeia - uma terra que não sabia ainda onde ficava, só que era lá no Extremo Oriente... Sabia que, nesse país, fazia muito frio e caía muita neve. Que esse Menino Deus não era rico e a sua primeira caminha tinha sido uma manjedoura onde o bafo da vaquinha e do burrico o mantinham quente.
Na Igreja Matriz, no início do mês, ajudávamos o Sr Padre a fazer o presépio, indo ao campo recolher musgo, porque nos Invernos chovia bastante e os campos estavam verdinhos e o musgo crescia por ali... Também por essa altura semeávamos as nossas searas de trigo , nas caixinhas vazias da margarina e da marmelada, para colocarmos depois no presépio, chegada a hora.
Nessa noite fria de 24 de Dezembro, à meia-noite, toda a comunidade se vestia a rigor e ía à Missa do Galo. O Presépio estava lindo!...A água corria da fonte, a azenha não parava, as velas giravam e até as ovelhinhas de barro, os pastors, os Reis Magos, as lavadeiras, pareciam mexer-se... A Virgem Maria, o São José e o Menino... Era um Menino Jesus muito lindo, de olhos castanhos brilhantes!...Castanhos, como os meus, pensava eu a cada ano... A dada altura, o Sr Padre convidava-nos a beijar o pé ao Menino... e nós lá íamos, adorar aquele Menino Jesus que era filho de Deus e escolhera nascer naquele lugar... tão pobre!!!
Era este menino, e eu não sabia bem como, que fazia com que eu tivesse, na manhã seguinte, os presentes no meu sapatinho ... Só no Dia de Natal é que eu os recebia ...Depois de uma noite mal dormida, mas plena de sonhos...levantava-me cedíssimo e corria para a cozinha. Não vivi aquele ritual dos grandes embrulhos em lindos papéis, nem dos grandes laços brilhantes e coloridos, porque tudo era de grande simplicidade. Na minha terra não havia nada disso. O encanto não estava no aparato dos presentes visto aos olhos, mas no pulsar acelerado do meu coração pequenino...
Estes presentes, eram sempre algo que eu andava a precisar... Nada chegava por acaso. O Menino sabia sempre...ou uns sapatos de verniz, ou uma roupa nova e, sempre, um pequeno brinquedo e algo para a escola. Estes brinquedos, simples como todos os brinquedos eram naquela época eram por mim tão apreciados que até me lembro de dormir com eles... Como nós valorizávamos cada coisa, por mais simples que ela fosse.

Hoje...é tudo tão diferente!...
A cada ano, eu digo que não alimento mais estes consumismos mas, lá vou dando sempre o dito por não dito...