Ferrarias - vista parcial
Ferrarias é um pequeno " monte", onde nasceu a minha mãe e, sempre viveram os meus avós maternos. Naquela época, só lá moravam 7 familias, mas eram famílias de muitos filhos e era um monte animado, contava-me ela.
Os residentes dedicavam-se à agricultura e à pastorícia em moldes de subsistência. Os meus avós tinham 3 filhas e 2 filhos. Elas ficaram no monte até casar e todas fugiram aos trabalhos do campo. Rumaram à vila e a Lisboa e os meus tios ingressaram na GNR, o que acontecia com os rapazes daquela época, que queriam fugir ao campo... Os meus avós talvez tivessem ficado tristes por perderem assim os continuadores do seu trabalho, mas nunca se manifestaram nem eu entendi isso.
As férias no monte eram uma maravilha!!!
Os meus primos também lá estavam e aquela liberdade toda era o mundo de que eu precisava para ser feliz. Os brinquedos não eram muitos, aliás eram pouquíssimos. Tínhamos uma arte especial para os fazer e inventávamos brincadeiras e participávamos em aventuras, sem fim.
Os Invernos daqueles anos eram de muita chuva e os ribeiros ainda corriam, corriam Primavera adentro… O calor chegava cedo e convidava às saídas pelos campos pintalgados de flores amarelas, brancas e lilázes. O barranco que corria a 200 metros de casa e, cujo caminho para o Cercado o atravessava, foi palco das mais diversas brincadeiras. Não havia perigo, eram ribeiros pequenos e sem grandes pegos, naquela zona. A caminho da Eira havia outro ribeiro, mais perto de casa. Ainda ouço o barulho da água a correr, calmamente...
Estive há 2 meses nessa horta dos meus avós ladeada por este ribeiro. Achei falta da avenca que crescia no poço…secou, faltou-lhe a água que a toda a hora caía do caldeirão e regava as paredes do poço. Achei falta dos enormes plátanos que ladeavam o ribeiro …
A horta, sempre verdejante, é hoje terra solta que nem a chuva de Inverno rega.
As casas envelhecem de tristeza e de saudade dos tempos áureos do monte e das gentes que nele viviam.
Entrei na casa do fogo e fui ao quarto, onde em menina vi uma serpente enrolada debaixo de uma cadeira… Sempre me acusaram de estar a mentir, mas eu sei que não menti. Hoje acredito que, não aceitando a minha verdade, estavam a fazer-me acreditar que não tinha visto nada para não contagiar os outros com o medo que me fazia tremer as pernas franzinas…Avós são gente sábia!...
Parte do telhado já caíu… olhei a “noiva” junto ao 'fogo de chão' onde gostava de me sentar e visualizei o meu avô Palma com os netos à volta... Quase consigo ouvi-lo : “Toca, toca pastorzinho toca, toca com vigor…” do conto do Pastor e da flauta que ele nos contava, ao serão. Com um misto de dor e de saudade lá fui eu seguindo a minha “romaria”… agora ao Cercado apanhar as azeitonas para a conserva, pois foi para isso que lá fui... é um terreno com muitas oliveiras que carregam e sempre deram azeite para a casa do meu avô.
Dá pena... só apanhamos as que queremos para conserva, porque o azeite compramos no supermercado. Crime!!! pois, claro.
Fica a 5 minutos do monte, bom caminho e lá perto fica a velha Mina da Cova dos Mouros. Teminada a azáfama das azeitonas, subi o caminho que me leva à Mina - uma horta rica outrora, que ganhou o nome da vizinha mina. Nesta horta nunca faltava a água, sempre a correr o ano inteiro…hoje crescem por lá tantas estevas, quase tão altas como eu, de tal modo que nem consegui coragem para avançar... atemorizam-me as cobras!…
Desisti algo frustrada, porque gostaria de ter ido a esta horta. Subi a ladeira, atirei pedras ao Poço do Malacate, de longe, como dantes fazia, porque sempre nos chamaram a atenção para o perigo. A pedra ía batendo e fazendo um barulho seco nas paredes do poço, demorava a chegar ao fundo e, em silêncio, aguardávamos o chap, chap, chap… metia respeito a miúdos e graúdos.
Através deste poço eram escoados os produtos da exploração da Mina da Cova dos Mouros, por meio da uma galeira transversal principal.
Recordações que doem...
O primo Zé é o único residente no monte. terá uns 80 e tantos... Os anos não perdoam, tem sido uma vida de trabalho e solidão... Vai fazendo a sua vida - criando os animais, plantando umas coisitas, cuidando e alimentando os burros, avestruzes, corças e veados - que a Cova dos Mouros lá continua a manter.
Os Domingos são sagrados para ele e o programa é sempre igual. Mal se levanta dá de comer aos animais, toma o seu banho, barbeia-se, perfuma-se e mete-se à estrada rumo à aldeia onde convive com os conhecidos e almoça num dos resturante da terra.
Se ele não aparecer ao domingo, há-de ir gente ao monte. O normal é aquele passeio domingueiro e, não indo, o caso é sério...e preocupante!...
Sobre as Ferrarias e a sua mina.
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